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Wednesday, June 07, 2006

Kurt Kren: o cinema do desconforto


Retrospectiva em Viena homenageia Kurt Kren, diretor austríaco, um dos maiores nomes do cinema experimental

Kurt Kren (1929-1998) elaborava para cada um de seus filmes um esquema de quadro-a-quadro detalhadíssimo. Além da sua obra fílmica completa, as chamadas partituras e anotações do cineasta vienense também compõem a retrospectiva do diretor realizada pelo Centro de Arte Contemporânea do Ateliê Augarten, em Viena (até 13/8/2006). Ao lado de Peter Kubelka, Kren, foi representante destacado do cinema estrutural na Áustria, estando também ligado ao acionismo vienense e à arte cinética, participando assim de quase todos os movimentos artísticos dos anos 50, 60 e de seus desdobramentos nos anos 70 e 80. 

O diretor realizou 50 filmes ao longo de 37 anos de carreira irregular, marcada por exílios, instabilidade, escândalos e miséria, mas coroada por reconhecimento oficial, ainda que tardio. Sua obra completa, que tem uma duração total de cerca de três horas, é mais atual do que nunca. Kren, chamado de “o pai do cinema de vanguarda europeu do pós-guerra” e sempre mencionado como o equivalente europeu do norte-americano Stan Brakhage, foi pioneiro em diversos segmentos do cinema experimental, sem necessariamente se associar em definitivo a nenhuma corrente. Iniciou sua carreira com curtas-metragens em super-8, no início dos anos 50, e em 1957 mudou-se para filmes em 16mm. Para além dos experimentos formais, o cinema de Kren criticava impiedosamente as estruturas sociais e culturais na Áustria do pós-guerra.

Partituras e cinema estrutural

Sem exceção, os filmes de Kurt Kren foram intitulados segundo a ordem de realização e o ano em que foram realizados. Em um papel millimetrado, ele estabelecia o plano de cada filme de maneira perfeccionista. Para cada quadro, aparecia a duração exata e a correlação desse com os quadros vizinhos bem como esquetes de cena, gráficos de variações do quadros e fórmulas aplicáveis à montagem, minuciosas anotações de Kren para o que vai se caracterizar como montagem serial em seus filmes se assemelham mais à escrita musical do que aos roteiros cinematográficos. Kren experimenta em filmes como “10/65 - Selbstvertümmelung” (“10/65 - Auto-mutilação”) ou “7/64 - Leda mit dem Schwan” (“7/64 - Leda com o Cisne”)um método semelhante, embora aplicado à composição fílmica. 

Tal técnica almejava neutralizar a abundância de associações contida nas imagens fílmicas através de princípios matemáticos precisos, como a série de Fibonacci (o comprimento de uma tomada é determinado pelo total da soma das duas tomadas precedentes, ou seja: 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34 quadros), como em “2/60 - 48 Kopfe aus dem Szondi–Test” (“2/60 - 48 Cabeças do Teste de Szondi”)4. Neste filme, cada seqüência consiste de grupos de três imagens: A-B-C. O grupo seguinte é derivado do anterior pela queda da primeira com adição de uma nova como terceira. Assim A-B-C é seguido por B-C-D, resultando na série final: A-B-C-B-C-D-C-D-E. Como Kren, o canadense Michael Snow desenvolve aplicações extremamente minuciosas em seus filmes.

 O aclamado “Wavelength” (1966) explora a distância entre unidades repetidas (sejam de som ou de imagem) em um padrão modular. A partir de 1964, Kurt Kren é convidado a colaborar, na condição de documentarista, com os artistas Günter Brus e Otto Mühl, dois dos expoentes do acionismo vienense. Ambos partem da pintura tradicional para usar o corpo humano como o meio central de expressão e suporte de sua arte. A colaboração com os acionistas vai durar até 1971, quando Kren realiza “27/71 - Auf der Pfaueninsel” (“27/71 - Na Ilha do Pavão”), sobre uma ação de Günter Brus. Kren acabaria envolvido nos escândalos que ocorreram notadamente a partir de 1968.

Centro de Arte Contemporânea do Ateliê
Augarten, em Viena (até 13/8/2006).

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